24-02-2017
ARTISTAS DÃO VIDA ÀS CIDADES E LUGARES
Transformar um espaço degradado em pólo de atração turística. Os municípios podem ser os grandes promotores da recuperação de espaços urbanos, cuja divulgação a nível global trará mais turistas e animará o comércio local.
Imagine uma cidade em que a principal estação ferroviária, com mais de um século de existência, era muito visitada por turistas, sobretudo devido aos seus azulejos de enorme beleza histórica, mas que para "pouco mais servia" do que cumprir a sua função de interface ferroviário. Imagine, depois, que a câmara municipal onde fica alojada essa estação, através de uma empresa municipal, decidiu redesenhar aquele espaço público e dar-lhe nova vida, chamando à ação investidores e artistas. Pois bem, a estação em causa é a de S. Bento, a autarquia é a do Porto e a empresa municipal é a Porto Lazer, "que em Maio de 2015 anunciou que há aqui potencial, porque estamos no centro histórico e ao lado da estação de comboios mais bonita do mundo", como a ela se referiu a diretora artística do projeto "Locomotiva", Cláudia Melo.
Opiniões à parte, a estação de S. Bento, no Porto, ganhou mesmo nova vida após a intervenção orientada pela Porto Lazer. "Este espaço era aquilo que em economia se designa de não-cidade e em termos artísticos de não-lugar", acrescentou Cláudia Melo. Iniciado em Março desse ano, o programa de reabilitação abrangeu não apenas o espaço interior da estação, como também a área envolvente, formando um percurso turístico circular. O programa incluiu arte urbana, performance, animação, concertos, muitos workshops e projectos comunitários. Porém, primeiro houve que redesenhar o espaço público. Para consolidar esta ideia e corporizar as intenções dos seus promotores, todos os interessados puderam responder ao repto da Porto Lazer através de uma plataforma única: A partir daí, aconteceu história...
Do outro lado do mundo, na Austrália, a cidade de Gold Coast está a aproveitar a proximidade dos Gold Coast 2018 Commonwealth Games para renovar a sua cara. O projeto Gateway Public Art Comission surgiu por intermédio do Governo australiano e do Programa de Melhoramento do Domínio Público (PDIP), com o intuito de "refletir o carácter da [nossa] costa [marítima], relacionar-se com o público e inflamar a imaginação das gentes locais e dos visitantes", como referiu o mayor de Gold Coast, Tom Tate.
O projeto "Locomotiva", na estação ferroviária de S. Bento, no Porto, depressa transformou um espaço degradado num dos mais concorridos a nível turístico da cidade, além de ter reabilitado o comércio.
Mas nem é necessário saltar as fronteiras nacionais para se ver o resultado de parcerias entre municípios e artistas de arte urbana. Talvez um dos mais conhecidos artistas deste género em todo o mundo é português e dá pelo nome de Vhils. Com milhares de trabalhos espalhados por outras tantas cidades, este criador já foi mencionado pela revista Forbes na sua lista de histórias de sucesso de pessoas com menos de 30 anos, na categoria de "Art & Style", tendo sido convidado pelos U2 a produzir o vídeo de uma das músicas do último álbum, "Raised by Wolves". Lisboa, Porto, Hong Kong, Londres... são apenas algumas das cidades que adotaram os trabalhos deste artista como forma de regeneração urbana.
Artistas como Vhils deixam heranças de grande importância em cada município por onde passam, já que os seus trabalhos são acompanhados por publicações e gente de todo o mundo.
Há vários exemplos espalhados pelo país, como se comprova através da intervenção do artista Bordalo II, realizada em pleno centro histórico da Covilhã, em Outubro de 2014, durante o festival de arte urbana "Wool". Essa intervenção, concertada com o município da Covilhã, teve um cariz mais local, já que foi realizada no centro histórico daquela cidade beirã, mas foi suficientemente apelativa para chamar a atenção das autoridades turísticas nacionais, como se prova no portal "Visit Portugal": A intervenção incidiu em espaços com fortes sinais de degradação, desertificação e envelhecimento.
A arte urbana é já uma atração em várias cidades portuguesas. Cabe aos municípios saberem aproveitar as suas potencialidades, quer em termos de oportunidade para dar outra vida a espaços degradados, quer como forma de criar ligações entre a comunidade (local ou de visitantes) e o comércio local.
Mais impactante podem tornar-se as iniciativas municipais de reabilitação do património urbano, se souberem aproveitar as potencialidades oferecidas pelas ferramentas do marketing digital, como sejam a georreferenciação no Google Maps desses mesmos pontos de interesse, os incluírem nos itinerários turísticos, associarem esses locais a lojas e outros pontos de venda e os divulgarem nas redes sociais, como forma de disseminação da informação.
Artistas como "Ella & Pitr" viram os seus trabalhos reconhecidos pela Art News, publicação online de abrangência mundial, como uma das 25 obras de arte urbana mais populares do mundo. Trabalharam em Abrantes, dando uma nova vida ao espaço circundante ao castelo. Em Setúbal, foi Odeith a apresentar um trabalho pintado numa das fachadas do Auditório José Afonso, tendo sido considerado um dos melhores trabalhos a nível mundial pelo movimento "I Support Street Art".
A arte urbana está já incluída nos roteiros artísticos de várias cidades portuguesas. Cabe aos municípios saberem explorar todas as potencialidades da exposição global inerente a estes trabalhos como tão bem está explícito na página "Visit Portugal".
Fica claro que os municípios têm ao seu dispor diversas ferramentas que lhes permitem utilizar as armas da arte urbana para requalificarem os espaços degradados e, como consequência, animarem os movimentos turísticos e darem nova vida ao comércio local. A história de cada local pode ser contada de maneira criativa, assim se assumam os poderes locais como os promotores da arte urbana enquanto catalisador dos roteiros turísticos...
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